quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Pará - O universo das águas - Amazonas - Brasil


Setembro de 2021 

        Um ano e meio de pandemia, necessito reencontrar caminhos. Entramos em uma pandemia sem saber o que era. O isolamento e as medidas de prevenção, são as únicas orientações que temos. Em um país governado por pessoas que negam a ciência, é difícil sobreviver a deriva. Aos trancos e barrancos o tempo passou, a vacina chegou, a primeira e segunda dose, um controle razoável da crise causada na saúde da população. 

    Retornar a rotina se tornou tão difícil quanto ter entrado na pandemia. Surpreendentemente, me sinto com grandes dificuldades de sair da pandemia, de voltar a socializar. Mas viver é preciso, retomar os trilhos é preciso, voltar ao projeto das expedições pelo Brasil. 

        Entre as possibilidades, estava Mato Grosso, Bahia e Pará. Rever os projetos e conciliando com a data de setembro, a opção recaiu sobre o Pará. O fascínio das águas, a beleza dos Rios, o universo totalmente desconhecido do norte do país. Vamos ao Pará.


Belém do Pará

    Capital do Estado, uma ilha banhada pela baia do Guajará. São três rios que formam a baia que rodeia a cidade de Belém, entre eles o rio Guama.

    Antes do embarque em Campinas SP, inicio de setembro de 2021, vários contatos eu fiz através de aplicativos. Dentre diversos contatos conhecer um bailarino em Belém do Pará era talvez a última das pretensões, mas foi a melhor das decisões. Fiquei imaginando poder conhecer o mundo artístico da cidade e da região. Bailarino, nativo, artista, paraense, sorriso lindo no rosto e características indígenas explicitas.

Theatro da Paz

    Hospedar no centro da cidade, a belíssima praça da Republica, com seus jardins deslumbrante, as grandiosas mangueiras pelas avenidas da cidade, uma paisagem típica da cidade de Belém. Entre belos jardins, estatuas, coreto, encontra-se também o lindo Theatro da Paz, teatro Municipal de Belém do Pará.


    Andar pela cidade, pelo centro, é fácil e o acesso aos principais atrativos turísticos da cidade também proporciona observar a arquitetura, as cores, os rostos, os cheiros, as desigualdades, os invisíveis que a pandemia trouxe a tona. São muitos os moradores de rua, os pedintes, os trabalhadores informais. A infraestrutura publica apresenta grandes conquistas mais também não consegue esconder o caos. Como as grandiosas mangueiras pela cidade, temos também os urubus. Se no sudeste temos os pombos que habitam nossas cidades, no Pará, o urubu habita as cidades na sua maioria. Triste pois o pássaro reflete o descuido com a limpeza urbana, visivelmente o lixo esta exposto, seja nas ruas, nas avenidas, nas praças. Ofusca em parte a beleza da cidade de Belém, a culpa com certeza não é dos urubus, enfim convivemos harmoniosamente por 18 dias de viagem.

    Meu olhar é afinado pelos buracos, becos, cheiros, índas e vindas de uma cidade. Gosto de me misturar à paisagem, de fazer parte da paisagem e neste contesto nada mais agradável que ir ao mercado Ver o Peso, já na companhia do meu anfitrião, bailar pelo mercado mais famoso do Pará é conhecer a alma do paraense. 

Mercado Ver o Peso

    Ver o Peso, um grande mercado a céu aberto e as margens da Baia do Guajará. Colorido, cheio de cheiros, vende-se de tudo e tudo, a briga no transporte coletivo, a discussão entre o namorado e a transexual nos mostra que o Brasil de diversas caras e caretas, é por muitas vezes idêntico em todas as regiões do País. No mercado Ver o Peso, você encontra de tudo, compra o que quer, experimenta o que talvez não quer, mas com certeza você vai apreciar um dos melhores sabores da culinária brasileira. Tipicamente peixe, peixe para todos os gostos, sabores e preços, peixe todos os dias, e eu me delicio pois peixe é um dos meus pratos preferidos. Mas não é o peixe o grande astro da culinária paraense, para iniciar, o delicioso arroz paraense, um arroz com muitas iguarias típicas da região, faz do arroz paraense um acompanhante inseparável  do peixe. Belém do Pará ou o Pará propriamente dito, é a terra da farinha, da farofa, são farinhas de todos os tipos e gostos, suaves, apimentadas, finas, grossas, coloridas, ou seja a farinha também acompanha diariamente o peixe e o arroz paraense. Talvez o grande astro mesmo, que também acompanha os demais, seja o Açaí e a maneira de se degustar esta fruta, iguaria, não sei classifica-lo, mas no Pará o açaí acompanha o prato principal, de forma quase liquida, pastosa talvez, servido em uma tigela a parte, acompanha o peixe, o arroz paraense, as farofas, farinhas, uma salada se quiser acrescentar, mas o açaí esta presente de forma muito diferente do que conhecemos a fruta nas outras regiões do País. Eu claro, experimentei. A mistura arroz, peixe, e em seguida uma colher da tigela de açaí, é tipicamente a cara do paraense, passei bons momentos observando como esta combinação é degustada de forma típica e diária de um nativo. Confesso que sim, experimentei, apreciei, é diferente, é uma combinação diferente, é bom. Confesso ainda que optei por fazer da tigela de açaí a minha sobremesa, por sinal a maneira como o açaí é servido, a textura, o sabor, faz desta fruta um acompanhamento perfeito e saboroso, no meu caso, ficou como sobremesa, um pouco de mel e logo a tigela esta vazia. E olha que na tigela dos paraenses, a farinha é misturada ao açaí e apreciada junto com  peixe, com o arroz paraense e diversos outros sabores que com certeza vale a pena experimentar.

Sabores

    Assim, o mercado Ver o Peso, é o encontro do paraense com suas origens e tradições, os cheiros, as cores, as musicas, sim as musicas regionais tocam por todo o mercado e claro o açaí.

    Ao lado do mercado Ver o Peso, no mesmo complexo você ainda tem o lindo mercado do peixe, uma arquitetura belíssima, peixes de todos os tipos e tamanhos, preços incríveis e baratos, eu queria comprar muitos peixes, comer peixe todos os dias, fazer peixe, assar peixe, grelhar peixe, viajando não da para comprar e trazer, então apenas apreciei, vale a pena.

Mercado do Peixe



Estação das Docas










    Fechando este complexo, Mercado do Peixe, Mercado Ver o Peso, você ainda encontra as Docas. Um complexo de 5, 6 grandes barracões onde deveria ser as originais docas do cais da Baia do Guajará, totalmente reformados, climatizados, onde hoje funciona um belo espaço gastronômico, um espaço cultural e diversos bares com musica ao vivo, onde você pode apreciar ao belos pôr do sol na Baia do Guajará, um espetáculo diário, boas paqueras, bons aperitivos e muitas opções de tira gosto para acompanhar um gostoso drink em um happy hour. Eu optei por refeições no Mercado Ver o Peso, é a cara do Pará, nas Docas, apesar da belíssima estrutura, é um espaço onde você não irá ver nem observar a realidade paraense, é um espaço bem projetado, mas é um espaço para o turista, restaurantes para os turistas, bares para os turistas, ou seja, você vai estar confortável em um ambiente climatizado mais que não reflete a realidade paraense. Então para os turistas de resort, talvez seja uma opção, mas para quem prefere participar da paisagem sem interferir na mesma, se arrisque pelo Ver o Peso, os sabores e cheiros são reais. Claro que relaxar em um final de tarde e apreciar os sabores das frutas nas diversas opções de sorvetes de frutas típicas da região e ainda com um cenário de tirar o folego com um belo pôr do sol, sim, as Docas é um passeio gostoso de se fazer.

Pôr do Sol - Baia do Guajará - Belém PA


    O dia termina com uma apresentação de dança no Theatro da Paz, reabertura das atividades com a melhoria nos controles da pandemia. Um lindo teatro, provavelmente da época ainda do Império, camarotes em toda a extensão do teatro, um palco composto por um foço onde a orquestra de forma bem indireta participa de um belo espetáculo de dança, afinal estava acompanhado por uma bela equipe do Studio de Danças por Lucinha Azeredo, Cia Ribalta.

Belém - Ilha do Cumbu

    Atravessando um dos rios que corta a cidade de Belém, através de pequenos barcos voadoras, rápidos, em 15 minutos você chega a Ilha do Cumbu. Deixando a baia do Guajará, acessando por outro rio de porte bem menor, entra-se pela ilha. Nas margens deste pequeno rio, diversas estruturas aparentemente simples, estilos palafitas, decks de madeira rústicos,  encontramos diversos restaurantes por toda a extensão deste rio. Fui surpreendido ao optar em almoçar em um destes restaurantes. Ao desembarcar em um píer construído as margens do rio, deparei com um restaurante com uma bela estrutura, um belo jardim, piscina a disposição dos clientes, acesso ao rio para nadar, além de um ótimo cardápio com o peixe como o grande astro, por sinal apreciamos um belo tucunaré grelhado, muita farinha, arroz paraense. É um passeio para passar o dia todo, vale a pena, as opções são ótimas, os restaurantes são ótimos, os preços são justos e a paisagem é de graça e deslumbrante.

Restaurante


Ilha de Cumbu











Belém, outros atrativos

    Para aproveitar bem a cidade, eu fiquei 5 dias na capital. No mês de outubro a cidade comemora a festa religiosa Círio de Nazaré, considerada a maior procissão do mundo, onde cerca de 2 milhões de fieis visitam a cidade. aproveite e vá conhecer a Basílica de Nazaré. No trajeto você novamente irá apreciar as belas mangueiras pelas avenidas.

    O Forte do Presépio as margens da baia do Guajará é também um passeio bom para se fazer e da para ir a pé saindo do Mercado Ver o Peso, você pode aproveitar e apreciar a bela arquitetura da cidade antiga, belas igrejas perdidas no trajeto, a Casa das 11 janelas, ao lado do Forte, ou seja, andar pelas ruas centrais da cidade é uma boa opção. Para quem gosta, existe um enorme camelódromo também no centro da cidade. Apesar de diversas recomendações de cautela, eu caminhei por todo o centro da cidade, descobri lindas imagens, igrejas, praças, palacetes, sim tive a cautela e precaução com documentos, equipamentos, celular, mas nada que em outra capital eu também não faria. Então vá, Belém é linda, Belém é colorida, Belém surpreende, basta observar...

Forte do Presépio
Centro Belém









Basilica de Nazaré

Avenidas e suas Mangueiras

Praça da República - Coreto


Ilha de Marajó

    Eu sempre olhei a ilha de Marajó no mapa do Brasil, estar ao lado e ir até a ilha era algo impensável. Optei por uma embarcação rápida, o famoso "golfinho" um barco totalmente fechado e rápido. A Ilha de Marajó esta localizada na foz do rio Amazonas, cercada de água doce e salgada.

    Hospedei na cidade de Soure com uma infraestrutura básica, simples, sem grandes luxos, muitas motos e muitos moto táxis. Bares agitados, muita musica regional, forro, técno brega, sertanejo e preços justos. Pela cidade o ideal é andar a pé, região totalmente plana, fácil caminhar pelas ruas e avenidas. O acesso as praias são bons porém são longes, mas como a cidade tem moto táxi como formiga, fácil negociar um preço razoável para levar e buscar no final do dia. Fui até a comunidade de Caju-Una e comunidade do Céu, praias desertas, pouca infraestrutura, mas encontrei restaurantes que servem a beira mar um bom prato, com preços salgados porém justos uma vez que estava categoricamente no meio do nada em pleno norte do Brasil. O mar e o rio se encontram, então as águas não são nem doce nem salgadas, é uma mistura das águas, quentes por sinal. O mar, o mesmo Atlântico do sul do país não é deslumbrante, aguas calmas, rasas, grande risco de picadas de arraia ao caminhar pelas águas dos rios, o que não acontece quando se está nas águas mais salgadas. Tentei comer o prato típico da região, "Pato com Tucupi", mas não achei restaurante que servisse, mantive-me no peixe e no arroz paraense.

    A ilha de Marajó é um santuário de pássaros, caminhar pelas trilhas através dos manguezais,  passeios de canoa no rio são aventuras que proporcionam paisagens desconhecidas além de poder apreciar e observar diversos pássaros principalmente na estação seca.

     Fiquei por 3 dias na cidade de Soure, conhecer outras cidades e outras ilhas e trilhas requer uma estadia maior, o que com certeza vale a pena, mas eu tinha outros destinos a conhecer pelo Pará. Vale a pena conhecer a ilha, além da emoção de estar em um local somente observado através do mapa do Brasil, a ilha é muito bem preservada com uma população extremamente simpática, animada, sorridente e gentil.

    Até aqui a temperatura ajudou e muito. Calor de 30 graus constantes, muito vento, mas não é um clima úmido como é na cidade de Manaus-AM, então a sensação de calor é refrescante com os sucos de frutas regionais, cupuaçu, mangaba, acerola, bacuri entre outras.

    A comunidade do pesqueiro também com infra básica, oferece refeição regional, peixes, dourada, filhote, com preços razoáveis.

    O búfalo, animal de criação nas fazendas da região é também encontrado andando livremente pela cidade entre pedestres e motos. Esperava ver mais búfalos, mas eles são poucos pela cidade e nas fazendas o acesso é restrito. Existe o triste passeio de búfalo em algumas praias. Um pobre animal exposto nas areias, onde turistas tiram fotos e alguns fazem o passeio sobre os mesmos, sempre puxado pelo proprietário, um passeio curto, básico e sem graça. Com a língua afiada que tenho, para mim é algo como "um búfalo puxado por um animal (o vendedor do passeio) e sobre o mesmo outro animal visitante (turista normalmente) que efetua diversas fotos para provavelmente serem postadas nas redes sociais da vida, enfim, gostei dos búfalos, pena que eles não tem rede social. Já os outros animais, bem estes, deixa para lá.

    No retorno a Belém, neste universo das águas, embarquei em um "navio" com um translado de aproximadamente 5 horas. Na região o transporte aquático é a base de tudo. Bastante sofrível, acomodações sem nenhum tipo de conforto, um barco de dois andares, grande, com cadeiras fixas espalhadas por toda a embarcação sem nenhum conforto. Um motor que teima em fazer barulho durante todo o trajeto. É a vida do paraense, participar da paisagem, isto é vivenciar e conhecer outros culturas e hábitos. Poderia ser mais humanizado, acomodações melhores, mas com certeza o que interessa não é o bem estar da população e sim o lucro, realidade cruel de um país desigual. Participar da paisagem é uma aventura, 5 horas navegando por águas doce, um rio de perder de vista, um volume de água surpreendente, chuva no trajeto, você enxerga ela vindo e como veio ela se vai, 15 minutos torrenciais, o suficiente para alagar boa parte da embarcação. O sol reaparece, o barco seca e a vida segue. 

"navio" embarcação Marajó x Belém
    Como experiência, é maravilhoso e emocionante observar a força da natureza, como cotidiano, é injusto. São emoções que eu gosto de sentir, É a maneira que eu gosto de "turistar", ser um entre vários nativos. Entrar em um avião no sul do país, descer em um resort no norte do mesmo país, ficar no bar da piscina, ser servido por invisíveis, voltar ao avião e desembarcar no aeroporto novamente não me traz conteúdo algum. Conversar com o moto táxi, escutar suas histórias, embarcar nos "navios" desconfortáveis, comer a comida da comunidade, a comida da "mãe", com o tempero caseiro, observar as crianças divertindo e nadando nos rios, ser invisível na paisagem e fazer dos nativos os "visíveis" alimenta minha alma, entristece meu coração, solidariza meus sentimentos. Ter o privilégio de observar tudo isto me emociona, ser invisível e ser um deles, é algo difícil de explicar e difícil de aceitar. Enfim, o Brasil não conhece o Brasil. 

Baia do Guajará - Belém

Ajuruteua - Litoral do Pará - Oceano Atlântico, norte do País

    Com tantos rios que cortam o Estado do Pará, quis conhecer o litoral. Ajuruteua, distrito da cidade de Bragança, uma vila de pescadores aos olhos de um mineiro que mora em São Paulo. Na realidade um balneário para os paraenses. Sim um balneário, talvez um Guarujá SP, da vida, um Guarapari ES, um Matinhos e Caiobá PR, região dos lagos no RJ, faces de um país desigual.


Parte do roteiro
    Novamente o mar de águas rasas e calmas, não é lindo. Uma infraestrutura de hospedagem básica, simples, restaurantes por uma orla que esta em reformas, aparentemente um calçadão sendo construído, desapropriações de famílias nativas em prool de um turismo, provavelmente melhore a infra estrutura local, a um custo alto aos nativos, mas quem sabe trás melhorias também. 

    Fazendo parte da paisagem, o que importa é ver um povo sorridente, praia cheia em um final de semana comum a aproximadamente 150km de Belém. A culinária regional se repete, básica, simples, perfumada, saborosa, o peixe sobrevive, mesmo que grelhado. Abundante na região, olha ai uma vantagem do norte ao sul do mesmo país.

    Final do dia, um show do põr do sol, alias o pôr do sol, no Pará é um espetáculo a parte, diariamente. Noite a dentro, a avenida central, mesmo que mal sinalizada, vira um complexo gastronômico a céu aberto. Comidas típicas, tacaca, vatapá, sucos, bebidas, musica, forró, tudo se mistura em uma noite agitada que adentra a madrugada. Ou seja, "povo marcado é, povo feliz" (Zé Ramalho - Admirável Gado Novo). 


Tucuruí

    O interesse pela cidade de Tucuruí era a Hidrelétrica, trabalhei alguns anos em uma empresa geradora de energia elétrica, participei da construção de pequenas hidrelétricas como projeto sustentável para geração de energia sem prejudicar o meio ambiente e com aproveitamento quase que 100% de quedas naturais, geradores pós geradores reaproveitando a força da água e abastecendo pequenos bairros de uma cidade pequena e organizada no interior de Minas Gerais. 

     A hidrelétrica de Tucuruí ao contrario, é uma obra "faraônica", com grande impacto sobre o meio ambiente e com uma distribuição da energia por meio de redes de alta tensão a um preço alto e de difícil manutenção. A cidade gira em torno da hidrelétrica, do serviço publico e novamente os moto táxis aos montes, aprendi que no Pará talvez a "Uber" precise rever seus conceitos, aqui ela perde feio. 

    Sem grandes atrativos, ou quase nenhum mesmo, fui até o cais, o grandioso rio Tocantins. Boa prosa, acabei me acertando com um barqueiro que me levou até o outro lado do rio, em uma comunidade ribeirinha. Queria nadar no rio e comer algo regional, simples e bom. Conheci a Walda, mulher simples, seus 30 e poucos anos, um quiosque simples nas margens do rio, os filhos pequenos nadando nas margens do rio, várias crianças, 8, 9 anos, brincadeiras de crianças, o menor talvez 3 anos, chora tentando acompanhar os irmãos, mais esta solto dentro das águas do rio Tocantins. Acho que aqui as crianças nascem sabendo nadar, lindo de se ver. 

    Walda, bom papo, gosto diferenciado musical, papo vem papo vai, perguntei se ela estava preparando o almoço dos filhos e pedi para poder compartilhar do mesmo almoço com a família. Pedi para acrescentar um peixe mais não mexer no cardápio. Abrimos várias cervejas, conversamos como "comadre e compadre", boas gargalhadas, almoço pronto, comida de mãe, preço que não se paga o carinho e o aconchego. Acabei por opção própria, não aceitar o troco, era justo, é lindo olhar o sorriso de uma mulher batalhadora, alegre, simpática. Salve Walda, você é um orgulho para nosso Brasil.


Altamira 

    Fiz o trajeto através de ônibus intermunicipal, uma viagem noturna de   8 horas. Em Altamira também tinha o propósito de conhecer a hidrelétrica de Belo Monte. Como estamos na época da seca, a barragem não esta com excesso de água, assim só é possível apreciar o paredão de 11 km de extensão com uma altura de 78 metros (confesso que esta informação pode ser da hidrelétrica de Tucuruí, deixo este registro como sendo uma duvida) o que criou um monumental lago artificial, com impacto ao meio ambiente e as comunidades ribeirinhas. As praias que existiam nas margens do Rio Xingu foram submersas, as comunidades ribeirinhas também desapareceram com as desapropriações das terras. Abaixo da barragem, as praias existentes estão localizadas longe da cidade, os chamados balneários ficam em propriedades particulares onde o acesso e o consumo de alimentos e bebidas são pagos aos proprietários que disponibilizam uma infraestrutura com quiosques, áreas sombreadas, banheiro e claro tudo as margens do Rio Xingu. Águas transparentes, calmas e quentes proporcionam agradáveis mergulhos. 

    A cidade em si, não apresenta nenhum tipo de atrativo turístico, mais para consolo dos habitantes e dos visitantes, a cidade possui uma boa infraestrutura de bares, restaurantes e botecos onde você pode tomar refrescantes drinks e apreciar uma boa culinária regional. Diferente de Tucuruí, Altamira tem um vida noturna razoavelmente agitada.

    Novamente para quem pode e tem tempo disponível, navegar pelo rio Xingu deve proporcionar belíssimas paisagens e aventuras.

    Tanto Tucuruí e Altamira são cidades para ficar por pouco tempo e o próximo destino era chegar a Santarém e a Vila de Álter do Chão. Optei por alugar um carro e percorrer 530 km pelas rodovias da região. O trajeto compreende a rodovia federal Transamazônica com um desvio no meio do caminho em direção a Santarém. 


Transamazônica - BR 230

    Saindo de Altamira com um carro alugado e após percorrer apenas 70km de estrada pavimentada, a famosa transamazônica aparece na sua forma original, chão batido, muita poeira, muitos buracos, pontes de madeira em péssimo estado de conservação onde na maioria delas, apenas um carro consegue passar por vez.

    Estar na Transamazônica me proporcionou dois sentimentos totalmente opostos um ao outro. A sensação de emoção em estar sobre a Transamazônica é algo inexplicável. Uma rodovia que teve suas obras iniciadas ainda no período do regime militar no Brasil. Desde criança ouço reportagens sobre esta rodovia, obras que começaram e nunca terminaram. Mesmo assim a sensação de emoção é grande.

 


    Outra sensação após percorrer alguns quilômetros a mais, é o de tristeza. Tristeza por constatar que após 40 anos do início das obras, a rodovia continua uma terra de ninguém. Rodovia de chão batido, no período das águas não é possível transitar sem encontrar muitos atoleiros pelo caminho, já no período da seca, o que eu estava, a poeira é tanta que a visibilidade em várias ocasiões é nula, a poeira sobe e desce pela carroceria do carro como chuva de terra. Tudo se passa dentro da floresta amazônica, uma região com árvores não tão exuberantes como a encontrada no Estado do Amazonas, mas mesmo assim existe a sensação de estar no meio do nada, sem sinalização, sem sinal de radio, sem sinal de celular, sem sinal de internet, pouquíssimos vilarejos no trajeto, pouco trânsito, o que dá a sensação de isolamento total, se algo der errado e for obrigado a parar para pedir um socorro, talvez você fique por um bom tempo a espera. 

 

    A sensação de tristeza é maior ao cruzar com caminhões que mesmo sendo poucos, transportam todo tipo de mercadoria entre as cidades. O estrago é visível, carrocerias tortas, motores expostos, velocidade desenvolvida mínima, devido a precariedade da estrada, sente-se o sofrimento somente ao olhar tais cenas, o abandono é total e a coragem destes motoristas é digna de aplausos. Nada a se orgulhar desta estrada que deveria melhorar as condições de vida dos habitantes da região.

    Fazer um desvio em plena rodovia sem sinalização e no meio da floresta amazônica, por mais que tenha sido recomendado ainda em Altamira, causa a sensação de se estar perdido e andando as cegas. Sem possibilidade de utilizar GPS, sem sinalização, você vai as escuras e acreditando que a aventura ficará apenas como sensação de aventura mesmo e não de algo inesperado e desesperador.


Castanheira
    Este desvio reduz em quase 100 km a distância entre as cidades de Altamira e Santarém. É uma vicinal que esta em obras de melhoria e que aparentemente será pavimentada. Ao mesmo tempo que poderá trazer um alento aos sofridos motoristas, é triste encontrar castanheiras gigantes pelo trajeto, no meio da pista cujo destino com certeza será o corte destas surpreendentes e majestosas árvores. Após 8 horas de aventura, Santarém é avistada e o destino final é a Vila de Álter do Chão a 36 km da cidade.

    Novamente o Brasil não conhece o Brasil, País de desigualdades que não se explica, não existe justificativa plausível para todo este abandono. É sem duvida nenhuma, uma aventura dirigir na Transamazônica.


Vila de Alter do Chão

    Nas margens do rio Tapajós, a aconchegante Vila de Álter do Chão é hoje a coqueluche do turismo no norte do país. Uma vila pequena com boa estrutura para se hospedar e com muitas opções de restaurantes e bares. Tudo acontece no centro da Vila, na praça principal ao lado da Matriz e as margens do rio Tapajós. 

    Durante o dia a paisagem é exuberante, lindas praias com areia clara se formam de frente para a vila. Uma travessia com barqueiros da comunidade e o acesso a ilha do amor, com infraestrutura boa com muitos quiosques onde o dia não precisa terminar. É para esquecer do mundo, relaxar, apreciar, aproveitar e desfrutar de águas calmas e quentes. No final do dia ainda somos agraciados pelos belíssimos espetáculos do pôr do sol sobre as águas do rio Tapajós. Lindo, relaxante, recarrega as energias, sensação de que o tempo parou.

    A noite cai, a Vila que durante o dia estava quase vazia, se vê movimentada de turistas pelos restaurantes e bares ao redor da praça principal. Ótima culinária, muita musica, tudo a céu aberto com mesas espalhadas nas calçadas.

    Na praça um evento agita ainda mais a noite de Álter do Chão. Uma apresentação espontânea do Carimbó, musica e dança típica da região, moradores a caráter, meninas, mulheres, com suas saias floridas a rodopiar ao som de uma musica empolgante. Em diversos pontos da Vila também existe atrações regionais nos diversos restaurantes existentes. Depois de um dia longo pelas praias que se formam por toda a extensão do rio Tapajós, os moradores e turistas precisam de folego para encarrar a noite agitada da Vila que muitas vezes invade a madruga até o último freguês.


    Álter do Chão é linda e aconchegante. Diversos passeios durante o dia são oferecidos aos turista. A grande maioria é através da navegação pelo rio. Fiz alguns deles e fica evidente que a Vila de Álter do Chão é apenas a entrada de grandes aventuras. É talvez a base para se hospedar e descansar, mas vale a pena se aventurar pelo rio Tapajós. O que se tem de abundante e lindo em Álter do Chão você vai encontrar em toda a extensão do rio. O pôr do sol sempre estará presente e um show a parte. Aprecie, faça parte da paisagem, não interfira na paisagem, apenas sinta-se dentro dela. Somos pequenos demais à grandeza da natureza. Aprecie, respire, aspire e pire, se permita.




    Tudo muito lindo, tudo espetacular e maravilhoso. Como outros lugares lindos que temos em nosso país, nota-se a invasão do turismo. Aos finais de semana a Vila recebe mais pessoas do que comporta, eu como bom vagabundo que sou, adoro a segunda feira, me divirto e me encontro até as sextas feira, nos final de semana busco alternativas, faço caminhadas mais longas, como em outros locais, final de semana a Vila fica pequena, não perde o charme, o sol se põem para todos, por opção me aventuro no contra fluxo e pode ter certeza, sou sempre surpreendido.


    Álter do Chão é para se ficar vários dias, eu fiquei 5 dias, ficaria mais.

Santarém

    Santarém era a opção para voltar a Belém navegando pelo rio em uma viagem de 3 dias. Os "navios" que fazem o trajeto Santarém x Belém x Santarém, tem dias específicos e diversas forma de se aventurar. Existe a opção de algumas cabines nestes navios, mais são poucas e a um preço bastante alto. A outra opção é o convés da embarcação, as redes estendidas por todo o convés, onde você irá passar os 3 dias, dormindo, lendo, conversando com vizinhos de rede, e dentro de uma embarcação regional com costumes regionais, a mercê do clima, chove e faz sol a qualquer momento, o convés tomado por redes acaba se estreitando e seu espaço fica sendo sua rede e seus pertences.

    Eu queria muito ter feito esta viagem, não fiz, meu tempo estava curto, mas o que mais pesou foi estar sozinho, não me senti confortável em passar 3 dias limitado a um espaço com toda minha bagagem e apenas uma rede como minha. Sim, gostaria muito de ter feito esta viagem, mais também é importante se respeitar, estar no clima da aventura, eu não estava, eu me conheço, eu sou claustrofóbico ao extremo, sozinho tive a sensação de que não me sentiria bem. Eu volto um dia, eu quero fazer esta viagem, eu quero estar no clima para fazer esta viagem, eu volto.


    Fiquei apenas um dia em Santarém, apenas uma base para embarcar depois de 18 dias de aventuras, voltar para o sudeste. Santarém possui um comercio grande, localizada no centro do Estado e longe da capital Belém, a cidade criou vida própria e abastece toda a região seja como porto de embarcação, como infraestrutura publica, cultural, saúde e educação. Uma bela cidade, um belo Estado, um povo lindo, sorridente, colorido, animado, acolhedor, uma culinária deliciosa, frutas exóticas, sabores e cheiros a serem explorados e apreciados. 

    Pará, terra da farinha e muito mais, vá fazer parte desta paisagem, este universo de águas. Lindo